quarta-feira, 2 de março de 2011

Encontros de Infancia

Era uma tarde chuvosa. Passos apressados conduziam a menina ao dentista. O dia estava quente. As poças e o casamento sol e chuva sopravam uma lembrança de viúva. 
Molhada, entrou na sala onde a espera seria longa. Meia hora passada  a aflição só crescia. O pai perguntou se estava preocupada; não é preocupação é medo. Mas medo não era vontade? E se vontade como tão masoquista? 

Idênticos, dois irmãos adentram o cenário junto a uma mulher. A manhã se ia e o frio do ar condicionado gelava veias e artérias pulsantes de pavor. Marcela obviamente pergunta, vocês são gêmeos? Rapidamente a mãe responde com um sorriso coruja e um balançar de cabeça encabulado; são. Um deles já havia arrancado os sisos inferiores, agora era a vez do outro. Marcela também esperava impaciente para a retirada dos dentes que não cabiam em sua arcada, mas diferente dos outros pacientes, uma pergunta inquieta não fugia de seus pensamentos. 

Marcela tinha trinta e dois dentes, via dois gêmeos na frente e tentava a qualquer custo desvendar o mistério daqueles estranhos ossos que nasciam. Se nasciam, porque não ter espaço? Ou será que a pergunta devia ser ao contrário. Se não tem espaço, porque nasciam?

Após longa espera a secretária chamou; a mocinha pode entrar. A calma teatral ocultava o frio na espinha e a raiva daquele que ia rasgar sua gengiva. Ela tinha constatado com seus próprios olhos a falta de espaço na radiografia, mas ainda achava que poderia criar espaço para eles.
Quando bebê era banguela
Quando criança ganhou 24 dentes 
Aos poucos foi perdendo esses e ganhando novos
Agora eram 28
E logo 32
Marcela resolveu que deixaria de lado os números. Deles já bastavam as conversas chatas dos adultos mal crescidos.

Deitada na cadeira via as cicatrizes da parede, ou seriam feridas de uma luta com a água do andar de cima? E o que teria em cima? Já isso também pouco importava.

Infiltrações lembravam o remedinho branco recém tomado. E o pensamento cessava, juntando remédio e luta. Dentro de suas elucubrações Marcela nem percebeu os sisos sendo extraídos. Sorridente o dentista mostrava seus dentes como se gabando de caça.

             A menina saiu da sala um pouco tonta, um pouco orgulhosa, um pouco mais leve. Ao sair  deparou-se com um amigo de infância. Constatou que também ela tivera um irmão gêmeo. Finalmente ou novamente os gêmeos. Idênticos eles mal podiam imaginar os sentimentos de marcela. Sensações de encontro de infância.