sábado, 23 de julho de 2011

Sonho de menina


            Sonho de menina

A tarde já se ia, quando Silvia pegou sua mochila esverdeada e fugiu pelos fundos do colégio. Os últimos raios de sol ofuscavam os olhos da triste criança. Seu rosto estava pálido e sem vida. Com passos apressados, ela atravessou o pequeno riacho que corria próximo ao colégio de irmãs. O calor sugava-lhe água da nuca aos pés.
            Silvia havia sonhado com o parque de diversões. Não sabia bem por que deveria ir até lá, mas quando o relógio bateu duas horas, uma súbita preocupação ocupou-lhe a alma e a menina não teve escolha.

                                                            ***
             A primeira grande praça que precisou atravessar tinha muitas árvores. O lugar era uma floresta. O vento soprava forte e provocava assobios apavorantes. Ao longe, vozes a amedrontavam fazendo do passeio quase que uma sina.O caminho para o parque nunca lhe parecera tão longe quanto naquela tarde. Silvia fugiu correndo daquele lugar e das vozes que aumentavam à medida que caminhava para o interior.

                                                            ***
 Chegando ao limite da praça com a rua atravessou no sinal. Cambaleava de cansaço e de sede. No início da segunda praça havia uma fonte de águas claras. Curiosa, Silvia observou que dentro da fonte havia milhares de peixinhos dourados que nadavam freneticamente  formando desenhos cintilantes. Apesar de já ter realizado o mesmo trajeto algumas dezenas de vezes, nunca tinha visto aquela fonte. Deslumbrada com os peixes, ela ficou algum tempo paralisada, pensando que deveria ser algum tipo de ilusão de ótica. Mas logo resolveu abaixar-se e provar aquilo que a fonte tinha a lhe oferecer. Mergulhou seus finos dedinhos, e aproximando os lábios, bebeu da mais pura água. O líquido descia como um remédio milagroso, aliviando todas as suas dores e medos. Até que um homenzinho aproximou-se e disse:
- Você é uma criança muito corajosa!
Silvia virou-se indignada e respondeu:
- Eu não sou criança! E estou morrendo de medo...finalizou com a famosa voz pra dentro que costumava usar nos momentos de insegurança.
A esquisita figura retrucou com um sorriso misterioso:
- Então precisa criar coragem, querida. Quem chega até aqui precisa seguir até o final, ou se perde para sempre na praça deserta.
O anão deu um risinho e desapareceu.

                                                ***
Pesadas lágrimas caíam dos olhos de Silvinha, que se viu perdida num enorme deserto. Confusa diante de tantas maluquices, a menina mal teve tempo de refletir sobre o encontro inusitado com aquele estranho indivíduo. E disse para si mesma num tom perseverante:
-Agora vou ter que me encontrar sozinha.
A pobre menina seguiu com os olhos ainda turvos.



                                                            ***
Nos primeiros passos rumo ao interior do deserto uma lembrança lhe ocorreu.
Era natal, e seu avô dizia:
- Silvinha, esse vestido amarelo eu comprei pra você brincar no quintal deserto.Como aqueles pintinhos que voam fazendo festa.Tá vendo, Silvinha?Tá vendo?
Cansada de tanto andar, Silvinha pára e percebe que vestia o mesmo vestido que havia ganhado de seu avô naquele natal. Sentada, ela começa a pensar na sua família, nos amigos... E tem a estranha impressão de que nunca mais irá vê-los, ou pelo menos não da mesma maneira.

                                                            ***
             Um frio na espinha a intimida e faz parar sua jornada. Deitada na praça, o vento acaricia-lhe o rosto e os finos grãos de areia brincam de lhe fazer cócegas. Subitamente, os raios alaranjados do sol parecem afastar-se de sua vista, ganhando mais e mais dimensão. Laranja, lilás, azul, muito azul, amarelo e roxo era tudo o que a interessava naquele momento da mais pura alegria. A lembrança do anão e da fonte trazia a água para seu pensamento. Silvia percebe seus movimentos como uma grande brincadeira. As bonecas não lhe atraem mais. Ela é a boneca e não mais uma marionete. 

                                                            ***
Pulando e dançando, rapidamente Silvia chegou ao parque. Um pouco tonta, sem saber o que estava fazendo ali e nem como havia chegado, viu-se diante de crianças, barulhos, brinquedos, comidas e as mais diferentes atrações que um parque pode proporcionar. Mas tudo rodava ao seu redor. Criança, adulto, montanha russa, algodão doce...Tudo lhe parecia um grande amontoado de cores e sensações. Trôpega e sem forças a menina vagarosamente cai sobre o chão quente do parque de diversões.

           
                                                            ***           

-Silvinha! chama seu pai com uma voz doce e suave.
Inundada de suor, rapidamente embrulha-se no lençol cor-de-rosa. Percebe que está em casa, nua. O rosa envolve o calor do corpo num abraço protegido.

                                                ***

Vagarosamente a porta abre. Passos lentos se aproximam. Ouve-se um breve estalo, resultado dos lábios do pai e da testa da filha. Novamente os passos. A porta se fecha. Uma gota de saliva e suor escorre da testa pelas bochechas rosadas, passa pelo ombro, pelos seios já crescidos, barriga, perna, pé e chão.
Ela olha pela janela e constata:
- O céu e azul.