segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Tuclin


Telhados cor de rosa cobriam as casas na cidade de Tuclin. Meninas passavam de vestidos coloridos e os meninos não saiam de casa sem engraxar os sapatos. Pela manha, a nevoa encobria os campos floridos que com o forte perfume jasmim não se sabia céu ou terra. A única igreja da cidade construída por monges do seculo XX ecoava delicadas badaladas, toques celestiais de um universo chamado paz.

As ruas de azulejo não suportavam o peso dos carros, considerado armas naquela cidade onde o som mais alto produzido era o zumbido de um pernilongo fêmea, ultima sobrevivente da espécie desde a revolução da faxina ocorrida em 1987, data de fundação da cidade. Desde então, Gromecume instalou a ditadura e proibiu que se produzisse qualquer espécie de barulho acima de 20 decibeis.

Foi ate meados  do século XX a região ocupada por densa mata e aos poucos um buraco foi se abrindo, formando o espaço que mais tarde denominou-se Tuclin. Um povoado ocupou a área por mais de trinta anos antes do golpe de Gromecume. Eram os mametutti, uma tribo de hippies provenientes da Itália. Alegres e falantes, os mametutti previram os resultados do exacerbado sentimento nacionalista dos italianos e a muito custo juntaram suas economias partindo rumo a America do Sul.

No ano em que Mussolini tomou o poder os mametutti, que ainda eram apenas famílias italianas recém convertidas ao anarquismo, chegaram a São Paulo em plena semana de arte moderna. Viveram algumas décadas encinzentados planejando no imperfeito pretérito um futuro perfeito.

Enfim, por volta de 1950, não se sabe ao certo, o grupo chegou a um pedaço do paraíso mata atlântica. Construíram suas casas de madeira próximas a um rio. A partir deste momento pouco sabemos sobre a cultura mametutti. Gromecume fez questão de apagar toda e qualquer marca. Algumas deduções foram feitas através de vestígios encontrados de escavações e fragmentos postais enviados por um mametutti que anualmente percorria quilômetros ate a cidade mais proxima para mandar noticias a Itália. Destas cartas restaram apenas uma ou duas, pois com forte represaria facista eram frequentemente atiradas ao fogo.

Alem das cartas, relatos de homens do mato também foram considerados, apesar de suas inventividades muitas vezes interferirem na veracidade dos fatos. Sabe-se que a musica era de extrema importância na cultura da tribo e constituía grande parte do ritual efetuado a cada por do sol. Resquicios de instrumentos musicais foram achados sob o frio azulejo de Tuclin e remontados.

O mais intrigante foi  um traste de ébano acoplado a uma caixa acústica também de madeira  e fios que descobriu-se ser da teia de raríssima arranha somente encontrada na Austrália. Sua sonoridade assemelhava-se ao canto de uma cigarra, porem devido a fragilidade das cordas com um volume muito inferior. Na lenda dos matutos o instrumento era usado para ser uma espécie de afinador, organizando o canto das cigarras.



Precisos são os fatos narrados pelos tuclinenses. Com enorme vaidade esses cidadãos escreveram uma biblioteca de textos históricos sobre a revolução da faxina e ninguém mais pode entrar ou sair da pequena cidade. Os mantimentos passaram a serem trazidos por moradores de cidades vizinhas que trocavam seus produtos por perfumes de Tuclin. As trocas eram feitas por mínima janela existente no infinito do muro que a cercava.

O perfume de jasmim era o único produto de fabricação permitida na cidade. Envolta em flores, aparentemente paradisíaca, mostrava na essência dessas flores sérios problemas na saúde de seus moradores. A colheita era feita nas primeiras horas da manha e antes do anoitecer o perfume já estava pronto, momento esse  em que pessoas que começavam  a se comportar estranhamente. Diz-se que certo dia por algum motivo técnico não se produziu o perfume e isso causou tamanha ansiedade na população que não se parava de  comer.

Nos primeiros anos de governo, apos exterminar por completo a cultura mametutti, Gromecume escravizou homens e mulheres para construir o gigantesco muro de Tuclin.  As casas de plástico, as ruas de azulejo e desmatar o restante da floresta para a plantação de jasmim.

Os preceitos básicos do novo regime eram a limpeza e o silencio. Milhares de produtos de limpeza foram encontrados. Todas as casas eram diariamente inspecionadas. Logo depois de implantado o sistema muitas famílias ainda não haviam adquirido suficiente experiência na faxina da casa e sofriam punicoes.

A medida que enquadravam-se a nova vida em Tuclin a população foi crescendo, crescendo, ate o limiar do muro. Não havia mais espaço para o jasmim.